
E me pareceu que que esse romantismo talvez ainda exista.
O Santos estava com a acorda no pescoço na Libertadores. Em terceiro lugar, precisaria exageradamente de uma vitória fora de casa contra o Cerro Porteño para voltar a sonhar com a classificação.
O jogo era difícil, e seria ainda pior pois o Peixe tinha três desfalques fundamentais: Elano, Zé Love e Neymar. A necessidade aliada a vontade é a receita certa de um espetáculo no futebol. E eu não queria deixar de ver esse jogo. Costumo ver aqui pela internet mesmo, mas por algum motivo, não entrava de jeito algum. O que me obrigou a ouvir pelas rádios online. E foi quem sabe melhor que ter visto.
A Copa do Tri em 70 foi a primeira transmitida a cores. Antes dela, o Brasil tinha visto dois títulos mundiais ou a preto-e-branco, ou pelas ondas do rádio. Tal como eu ontem. Fiz essa observação a fim de fazer uma comparação. As Copas de 58 e de 62 viram o nascer do maior jogador de todos os tempos: o Edson. Mas viram mais que isso: viram o futebol arte. Que foi exatamente o que vi ontem. Ou ouvi, melhor.
O Santos foi corajoso. Precisava da vitória e sabia do risco. E não temeu a se meter logo de início ao ataque. E logo de início saiu na frente. Num gol monumental de Danilo (que tem sido o melhor jogador do Santos no ano, oxalá dos últimos anos), o Peixe saiu na frente e com estilo. Um estilo meio clássico-retrô.
Fez lembrar os chutaços dos tempos de Pelé, como os de Coutinho. Mais jogadas trabalhadas, mais a bola procurando Danilo. Na segunda chance, mais clara e mais evidente de gol, ele o perdeu. Talvez fizesse falta.
Que nada.
Numa bola enfiada, Maikon Leite driblou o goleiro mas não teve a calma de cortar o zagueiro que vinha na cobertura e tirar um 10 na jogada. Chutou em cima dele e perdeu outro gol. Nota-se portanto que chances pro Peixe não faltaram. E o segundo tempo começou como começou o primeiro. Com gol de início.

O desespero virou calma.
Toques de bola com confiança, sem medo, sem pressa. O resultado estava nas mãos.
Nem o gol póstumo do Cerro mudou alguma coisa. As vaias para eles foram as mesmas. E as alegrias dos santistas também.
Destaques para os belos gols e para algumas coisas a mais.
Uma estreia dos sonhos para Muricy. Queria ver o que ia ser a passagem dele pelo Santos, se seu estilo retranqueiro (que nem é tanto assim) e burocrático, mas de muito efeito, iria mudar o Santos, ou se a alegria da molecada e o futebol arte despretensioso ia mudar o Muricy.
E cheguei a seguinte conclusão: nenhum dos dois.
Há como ser burocrático e ser artístico ao mesmo tempo. O maior exemplo é o Barcelona, que faz do seu toque de bola envolvente sua maior arma.
E o Ganso, hein?
Tão cortejado pelos clubes adversários, e tão polêmico, parece ter esquecido todos os seus problemas e entrado em campo com seriedade e calma. Não foi destaque, mas deu o tom da vitória.
E sem se importar com o futuro, mostrou que é profissional antes de tudo. Pensar no Santos agora. O futuro a Deus pertence (ou ao Ronaldo e seus investimentos).
O Cerro mostrou sua fragilidade e o Santos a sua competência. O Cerro joga compactado fora de casa e aposta nos contra-ataques para ganhar alguma coisa. Covardemente. Pois em casa não sabem se impor. Covardes não, limitados.
Já o Santos não tem limites. Imaginei que Neymar, Elano e Zé Love deixariam um buraco impossível de ser preenchido. O buraco até estava, mas ninguém lembrou dele.
Contaram com um Danilo numa fase sem igual, que mesmo sendo lateral direito de origem, jogou como volante, e além de marcar, ainda fez gol e perdeu outro. Um talento maravilhoso.
Contaram também com Maikon Leite, que assim como Ganso, não pensou em seus acertos futuros (pois está endereçado ao Palmeiras no meio do ano) e tratou de jogar bola. E jogou muito.
A Libertadores renasce das cinzas para o Glorioso.
Um time impossível. Que se não tem Pelé e Coutinho no elenco, tem outras estrelas tão dignas quanto.
Estrelas que não cabem dentro do campo. Reservas que entram e mudam a história.
Que me fazem acreditar que o futebol ainda não perdeu a graça. E que o romantismo ainda existe.
Danilo Albuquerque
http://blogtoquedebola.zip.net/
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